É sempre ao fim da tarde...
Mais um dia. Virei costas à cidade. Não quis ficar. Achei o sol impiedoso demais para lhe dar o privilégio da minha idolatração, por ora. Não é a primeira vez que acontece. É curriqueiro, aliás. Tenho sempre saudades do Inverno, do minimalismo nas árvores, do cinzento e da chuva, do frio. E embora reconheça o deslumbre de um trigo pintado a ouro na rigidez fervilhante das tardes de Julho, teimo sempre em lembrar-me de que é no final do ano, no auge das lareiras e dos capotes, que tudo me faz mais sentido.
Hoje, a exemplo de tantos dias, voltei para casa com uma dolência bizarra, uma saudade sacana que não me deixou nem por um segundo ao longo de vinte quilómetros. A dolência é-me natural, intrínseca. A saudade nem por isso, não é de nada nem de ninguém, julgo. É apenas saudade, como se a sua natureza não precise de justificação. Carrega-me esta tendência doentia de a alimentar como se de um último Fado se tratasse, como a noite que no horizonte se apresta seja a despedida renovada, uma vez mais trazida sem aviso prévio.
Assobio, canto, mas nada resulta desta vez... Agonia-me o sufoco da inércia, o sol fugidio, o precipicio de sonhos, o medo do fim, não da morte, mas do fim de tudo o que amo numa vida que teima, sem rodeios, em me juntar à solidão do crepúsculo e me esconder do que de mais belo ele traz a esta terra.
Cheguei a casa. O sol desapareceu. Há um hiato de minutos intermináveis em que o mundo pára e onde apenas existe o sul. Sem norte... a alma desassossega-se e resigno-me num sádico cigarro. E é então que vinte quilómetros podiam muito bem ser 100 anos de Garcia Márquez...
E é sempre ao fim da tarde...