quarta-feira, 13 de abril de 2011

Cruel este adeus que não sei dizer!

A vida ocupou-se de me dar mais uma bofetada durante a tarde de hoje. Ao fim de anos de encontros e desencontros, de partidas, de sapos engolidos, sorrisos amarelos, azedos, a vida chicoteou-me a alma da mais cruel das formas e trouxe-me de volta à lembrança as piores e mais marcantes imagens.

Hoje lembrei-me da morte, do adeus aos meus avós, a alguns amigos que partiram cedo demais, lembrei-me da angustiante e indescritível imagem do meu irmão a desafiar o destino (foi há 14 anos e não há um dia que não recorde esse malfadado dia de Julho!), e deixei-me mergulhar numa melancolia chorosa, agreste e suplicada. Lembrei-me do quão fraco e fugaz sou quando me confronto com a mais elementar lei da natureza. E fiquei triste, senti-me mais triste que o Fado Menor, mais só e desamparado que uma criança perdida. Quedei-me a um abismo desconhecido que, sem discussão, me visitará sem hora marcada na agenda.

A sorte de um sol esplendoroso esgotou-se ao entrar na sala. Lá estava ele, prostrado, magro como um cão vadio, com as cores desmaiadas, olhar fixo, esbugalhado, clemente. A vida já morre dentro daquelas quatro paredes, e a brutalidade da imagem sente-se à flor da pele, como se o anúncio do fim gargalhasse ecoando nos meus ouvidos. Não me aguentei muito tempo, não consegui cinco minutos de coragem e estoicismo perante tão indizível e negro quadro. A sensação de impotência e de frustração tomou-me sem autorização prévia, arrebatando-me e levando-me a um desespero envergonhado que derramei já na rua, sozinho, em dois cigarros de enfiada...

Hoje, como ontem, custa-me dizer "adeus". Nunca o soube fazer com a elegância de Humphrey Bogart, teimo em não ceder ao convencional aceno, ao beijo e ao abraço. Falta-me sempre algo mais, falta-me engenho para rejeitar esta secura que é minha, este desapego espiritual que certamente me ajudaria no processo. E, mais uma vez, escondo-me no meu choro envergonhado e só... Quis ser eu naquela cama, quis que fosse ele a chorar, e não eu! Se a puta da morte tivesse cara, esmurrá-la-ia, hoje, com cadência infindável, bárbara e desenfriada!

Hoje, pela primeira vez, despedi-me de um amigo a quem escasseia sofregamente a vida.

Hoje, uma vez mais, chorei genuinamente.

Hoje, como sempre, não entendo...


ps. Este texto é dedicado aos que mais gosto e que me deixaram. Às minhas avós Joana e Maria, ao meu avô José que não cheguei a conhecer, ao meu inspirador avô Amadeu, ao meu amigo Dinis (que teve a coragem de se zangar com este país e partir, eu sei que sentirás as minhas palavras), ao Mascarenhas, e a tantos outros... e é invariavelmente dedicado ao meu amigo Joaquim Catita, a quem a estúpida morte já lhe sussurrou o fim.

Custou-me tanto, mas tanto, despedir-me de ti, meu amigo! Estarás sempre em cada Fado meu!... até à (minha) finitude física. Porque hoje morri um pouco mais...

segunda-feira, 11 de abril de 2011

"Ajuda externa" para brincarmos todos juntos!



Depois de ao fim de 31 anos não me cansar de ouvir o meu pai a desfazer-se em diatribes a cada aparição televisiva do Sr. Soares, constato que a socialice rosa mantém a bitola a um nível pouco ou nada recomendado. Depois de Governadores do Banco de Portugal, apologistas da privatização, cortadores de benefícios laborais e sociais (conquistados, não em Abril, mas nas revoluções do séc. XIX!), tecnocratas e descarados agiotas, surge ainda um engenheiro de fim de semana armado em salvador de uma pátria que há muito o deixou de ser.

Este é o país que se orgulha dos cravos sem sangue mas que o derrama, com sádica passividade, nas trincheiras de quem realmente luta no dia a dia para, pelo menos, salvar a dignidade possível. Culpar os mais mal pagos e mais explorados pela "falta de produtividade" e pela "tanga" é, no mínimo, irresponsável, mas permitam-me que acrescente mimosos adjectivos como sacana, nojento, vil e desprezível.

Trazer-se o FMI para ajudar a "salvar" o que resta é, em suma, o coroar da desonra com que esta canalha se emancipou das saias da mãe para brincar com os seus (boys) amigos aos ricos e aos pobres, arranjando para isso, brinquedos como bancos privados que são pagos pelo público, aeroportos e comboios de alta velocidade que ainda não arranjaram poiso fixo enquanto se afere quantos (boys) amigos poderão ganhar mais uns euritos com as expropriações... Até lá, o recreio continua, ainda que os "professores" façam alguns avisos, em vão. A rapaziada está energicamente entregue ao jogo, sem pausas para sandes e laranjadas, e com consecutivas vitórias, a ambição desmede-se a cada segundo...

É neste contexto que o altruísta FMI vai também ele sentar as carnes em cima do Zé Povo, com direito a flatulência e tudo! Caricato é parte do Zé ainda imberbe se fiar na Nossa Senhora e nestes estarolas e acreditar que a tão afamada "ajuda externa" sê-lo-á, na verdade. Mais, caricato é ver a alternativa "coelhina" cada vez mais inchada de bazófia e que não enjeita pegar nos dados para jogar um bocadinho. Diz que é a sucessão. Eu digo que será, para começar, a continuação. É que passado o tempo de adaptação (qual jogador da bola argentino!), a versão "orangina" do Sr. Engenheiro estará em pleno no tabuleiro e surpreendendo ou não o Zé Povo menos deslumbrado, "contratou" um reforço de peso para a jogatana ao "pote", o tal Nandinho que salvou vidas no Senegal e que estava farto da política partidária...

A festa continua, e agora juntam-se a nós, em jeito de intercâmbio, a malta fixe da UE e do Fundo. Como diria o Zeca (e ainda bem para ele que já não assiste a isto!), "traz um amigo também". Afinal de contas, o Zé Mário Branco, no Inverno de 1979, também estava a brincar quando escreveu o FMI ("consolida, filho, consolida!"), afinal o que a malta quer é ser animada... E no meio de tudo isto, ainda se chama "intervenção" a dois tipos vestidos à 70's ou a uma Deolinda que diz que é parva. A brincadeira, pelos vistos, começa cá por baixo, num grotesco analfabetismo cultural de um Zé Povo que teima em não aprender, em não votar, em não ser Povo... Talvez por se sentir atónito e sufocado pelas nalgas de quem se sentou e senta em cima dele? Talvez. Mas não só...