quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Um embuste chamado Homem


Crê-se na valorização do homem desde o berço, na boa educação, no trato, na boa formação, nos “20 valores”. Espera-se que entre na Universidade e que em cinco anos se torne no médico, no advogado, no doutor ou no engenheiro que babe de orgulho o paizinho e a mãezinha. Deseja-se que o primeiro emprego seja então uma coisa em grande na firma referencial e, daí ao sucesso, apenas um passito!
Nos entretantos da vidinha, não seria má ideia preocuparmo-nos com o paralelo caminho da personalidade. Alcançar os “20 valores” e usá-los como arma obsessiva e naturalmente estúpida no dia-a-dia, parece-me – digo eu – “ligeiramente” autista! Por isso, preferirei sempre uma nota mais modesta na escola e os “20 valores” do carácter.

Ser-se vertical num país corrupto, dir-me-ão, será inglório. Ser-se vertical nunca será descabido, defendo eu. E por mais que todos se unam a uma voz a bradar de peito feito a sua verticalidade, aos poucos, com a cadência certa do tempo, tantos se perdem pelos passitos certos desta coisa de crescer…

Falta-me pachorra e tolerância, radicalizo-me a velocidades estonteantes, e não me apetece dar a outra face. Que raio, eu não sou Messias nem tão pouco, cristão! A minha fé sempre foi a crença numa humanização que infelizmente parece decidida a passar-me a perna. Por este andar, um dia destes encontrar-me-ão a converter-me num qualquer templo religioso deste (ou de outro) mundo. Mas a realidade é demasiado esclarecedora, e isso queda-me, distrai-me e frustra demasiadas vezes. Aos poucos, o Homem corrói-me, e envergonha tudo aquilo que edifiquei na ideia concreta do que é sê-lo com letra grande. É latente a ausência dos paradigmas mais sagrados, em lugar de uma constante afirmação ignóbil de egoísmo, arrogância, estupidez exacerbada. O homem de letra pequena já se merece a si mesmo por esta altura…

Esta coisa de querer ser correcto entedia, é quase contranatura, enfada no trabalho, na intimidade, para não falar das esferas politicas e mediáticas, onde o plástico ganhou avassaladoramente a corrida pelo pedestal idolatrado de um povo teimoso e vidrado, embebedado pela hecatombe da vidinha, com ou sem “20 valores”!
Esgota-se todos os dias esta ideia que ainda hoje me inspira de tentar ser vertical, recto. Mais que os valores financeiros, que a carreira, que o dinheiro, é no carácter que me escudo para viver a vidinha, pois – defendo – só assim o resto fará sentido e trará o doce sabor da realização pessoal.

Eu tento.

Eu espero, ainda espero que as mutações deste mundo tragam de volta alguns dos pilares mais distantes deste Homem. Ainda espero, mas com inegáveis contornos de melancolia e de desgosto. Soa-me a tardio…

Hoje, sou um jornalista com saudades de o ser.

Hoje sou um músico que gostava de ser jornalista.

Perdoe-se-me este laivo de arrogância. Tenho-o por direito próprio. Estou cansado.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Perdoem-me lá esta coisa de ser de esquerda!



Podia resvalar facilmente pelos clichés que se usam sempre que o “25” se aproxima, mas não. Podia alinhar pelos saudosistas mais ou menos ignorantes ou pelos pseudo-fascistas que ainda pensam como latifundiários, mas falidos. Dirão que a culpa foi da “abrilada”, do “desastre”, mas não.
Abril há-de ser sempre motivo de conversa mais ou menos fundada, sempre apaixonante e desgarrada. E se posso reconhecer os excessos da época, também posso facilmente diagnosticar os argumentos de quem sofreu bem fundo na pele e na carne o dedo censor, sádico, estúpido e sagaz dos salazarentos que ao longo de 50 anos julgaram ser Portugal, ainda que “orgulhosamente sós”!
Nasceu torto, é um facto, mas (ainda) acredito que se pode endireitar, assim o Zé Povo ganhe uma consciência que tarda em chegar. Nos entretantos de um país que teima em não o ser, aguentamos, estóicos e com capacidade ímpar de sofrimento, as manhas e a louca ambição dos actores de uma tragédia a que arriscam chamar democracia. Os párias que se apoderaram das terras, dos sonhos e das gentes conspurcaram o mesmo Portugal que enaltecem na sombra, enquanto as suas Fundações “limpam” a imagem possível de uma gentalha que merece pouco mais que nada. Corruptos, vendidos, oportunistas, elitistas, mentirosos são epítetos que se lhes assentam que nem luvas da mais virgem lã!
E numa semana em que uma sondagem de um matutino a quem agradeço a oportunidade de ter sido escriba diário publica um gráfico que “diz” ser Mário Soares o “politico com a imagem mais positiva” juntos dos portugueses, fortalece em mim o misto de amargura e decepção que me é oferecido desde que me conheço como gente. E envergonha quem coerentemente ajudou o sonho a crescer. Álvaro Cunhal, Francisco Sá Carneiro, entre outros, foram Senhores de convicções, porventura díspares, que rapidamente relegam para a fossa quem ousou pensar, vender e aproveitar-se da democracia como sua.
Um estado social será sempre – para mim – a melhor forma de organizar um país, de fazer um país, e não será nunca o seu fracasso culpa dele mesmo, mas antes da perversão constante e arrogante que este e outros democratazinhos de trazer por casa protagonizam, aparentemente, ad eternum! De democratas, terão apenas a presunção de o ser. Na prática, talvez por serem mais espertos que o salazarento, são mais esguios e matreiros, fazendo do sangue de quem engrena os dias o seu cálice mais apetecido.
E se me lembro sempre da frase de Joaquim Letria (“Se todos os filhos da puta se lembrassem de voar, deixávamos de ver o sol!”), cresço, talvez ingenuamente, com a premissa impregnada de que um dia as coisas poderão ser diferentes. Mais que um desejo, é uma crença, é “a” crença de uma vida que me castiga numa “crise” que não criei e para a qual não contribuí! Antes se responsabilizassem os pais de todo este pântano, precisamente os mesmos que aparecem nos gráficos e nas sondagens dos matutinos. Sem reservas, sem apelo, sem falsos pudores e colocando de vez os pontos nos “is” de um país que teima em não o ser.
Passam 40 anos, talvez pouco tempo para a História se poder escrever e ensinar, mas tempo suficiente para se perceber o que não se quer e ter a coragem inerente para mudar. Todos os dias, pouco a pouco ou radicalmente, mas mudar!
E se pude nascer e viver em paz (podre) naquilo a que chamam democracia, perdoem-me lá esta coisa de ser de esquerda e ter a liberdade consequente de hoje, mais do que nunca, ter querido nascer mais cedo para, pelo menos ter vivido a noite de “24”. Como isso é impossível, serei “apenas” um tipo de esquerda, apartidário, de valores firmes e cimentados que sabe o que quer e o que não quer, que acredita, ainda que muitas vezes à lei da força, que Portugal poderá ser ainda aquele país que espreitou pelas portas que Abril abriu…