Podia resvalar facilmente pelos clichés que se usam sempre que o “25” se aproxima, mas não. Podia alinhar pelos saudosistas mais ou menos ignorantes ou pelos pseudo-fascistas que ainda pensam como latifundiários, mas falidos. Dirão que a culpa foi da “abrilada”, do “desastre”, mas não.
Abril há-de ser sempre motivo de conversa mais ou menos
fundada, sempre apaixonante e desgarrada. E se posso reconhecer os excessos da
época, também posso facilmente diagnosticar os argumentos de quem sofreu bem
fundo na pele e na carne o dedo censor, sádico, estúpido e sagaz dos salazarentos
que ao longo de 50 anos julgaram ser Portugal, ainda que “orgulhosamente sós”!
Nasceu torto, é um facto, mas (ainda) acredito que se
pode endireitar, assim o Zé Povo ganhe uma consciência que tarda em chegar. Nos
entretantos de um país que teima em não o ser, aguentamos, estóicos e com
capacidade ímpar de sofrimento, as manhas e a louca ambição dos actores de uma
tragédia a que arriscam chamar democracia. Os párias que se apoderaram das
terras, dos sonhos e das gentes conspurcaram o mesmo Portugal que enaltecem na
sombra, enquanto as suas Fundações “limpam” a imagem possível de uma gentalha
que merece pouco mais que nada. Corruptos, vendidos, oportunistas, elitistas, mentirosos
são epítetos que se lhes assentam que nem luvas da mais virgem lã!
E numa semana em que uma sondagem de um matutino a quem
agradeço a oportunidade de ter sido escriba diário publica um gráfico que “diz”
ser Mário Soares o “politico com a imagem mais positiva” juntos dos portugueses,
fortalece em mim o misto de amargura e decepção que me é oferecido desde que me
conheço como gente. E envergonha quem coerentemente ajudou o sonho a crescer.
Álvaro Cunhal, Francisco Sá Carneiro, entre outros, foram Senhores de convicções,
porventura díspares, que rapidamente relegam para a fossa quem ousou pensar,
vender e aproveitar-se da democracia como sua.
Um estado social será sempre – para mim – a melhor forma
de organizar um país, de fazer um país, e não será nunca o seu fracasso culpa
dele mesmo, mas antes da perversão constante e arrogante que este e outros
democratazinhos de trazer por casa protagonizam, aparentemente, ad eternum! De
democratas, terão apenas a presunção de o ser. Na prática, talvez por serem
mais espertos que o salazarento, são mais esguios e matreiros, fazendo do
sangue de quem engrena os dias o seu cálice mais apetecido.
E se me lembro sempre da frase de Joaquim Letria (“Se
todos os filhos da puta se lembrassem de voar, deixávamos de ver o sol!”),
cresço, talvez ingenuamente, com a premissa impregnada de que um dia as coisas
poderão ser diferentes. Mais que um desejo, é uma crença, é “a” crença de uma
vida que me castiga numa “crise” que não criei e para a qual não contribuí!
Antes se responsabilizassem os pais de todo este pântano, precisamente os
mesmos que aparecem nos gráficos e nas sondagens dos matutinos. Sem reservas,
sem apelo, sem falsos pudores e colocando de vez os pontos nos “is” de um país
que teima em não o ser.
Passam 40 anos, talvez pouco tempo para a História se
poder escrever e ensinar, mas tempo suficiente para se perceber o que não se
quer e ter a coragem inerente para mudar. Todos os dias, pouco a pouco ou
radicalmente, mas mudar!
E se pude nascer e viver em paz (podre) naquilo a que
chamam democracia, perdoem-me lá esta coisa de ser de esquerda e ter a
liberdade consequente de hoje, mais do que nunca, ter querido nascer mais cedo
para, pelo menos ter vivido a noite de “24”. Como isso é impossível, serei “apenas”
um tipo de esquerda, apartidário, de valores firmes e cimentados que sabe o que
quer e o que não quer, que acredita, ainda que muitas vezes à lei da força, que
Portugal poderá ser ainda aquele país que espreitou pelas portas que Abril
abriu…