quarta-feira, 23 de abril de 2014

Perdoem-me lá esta coisa de ser de esquerda!



Podia resvalar facilmente pelos clichés que se usam sempre que o “25” se aproxima, mas não. Podia alinhar pelos saudosistas mais ou menos ignorantes ou pelos pseudo-fascistas que ainda pensam como latifundiários, mas falidos. Dirão que a culpa foi da “abrilada”, do “desastre”, mas não.
Abril há-de ser sempre motivo de conversa mais ou menos fundada, sempre apaixonante e desgarrada. E se posso reconhecer os excessos da época, também posso facilmente diagnosticar os argumentos de quem sofreu bem fundo na pele e na carne o dedo censor, sádico, estúpido e sagaz dos salazarentos que ao longo de 50 anos julgaram ser Portugal, ainda que “orgulhosamente sós”!
Nasceu torto, é um facto, mas (ainda) acredito que se pode endireitar, assim o Zé Povo ganhe uma consciência que tarda em chegar. Nos entretantos de um país que teima em não o ser, aguentamos, estóicos e com capacidade ímpar de sofrimento, as manhas e a louca ambição dos actores de uma tragédia a que arriscam chamar democracia. Os párias que se apoderaram das terras, dos sonhos e das gentes conspurcaram o mesmo Portugal que enaltecem na sombra, enquanto as suas Fundações “limpam” a imagem possível de uma gentalha que merece pouco mais que nada. Corruptos, vendidos, oportunistas, elitistas, mentirosos são epítetos que se lhes assentam que nem luvas da mais virgem lã!
E numa semana em que uma sondagem de um matutino a quem agradeço a oportunidade de ter sido escriba diário publica um gráfico que “diz” ser Mário Soares o “politico com a imagem mais positiva” juntos dos portugueses, fortalece em mim o misto de amargura e decepção que me é oferecido desde que me conheço como gente. E envergonha quem coerentemente ajudou o sonho a crescer. Álvaro Cunhal, Francisco Sá Carneiro, entre outros, foram Senhores de convicções, porventura díspares, que rapidamente relegam para a fossa quem ousou pensar, vender e aproveitar-se da democracia como sua.
Um estado social será sempre – para mim – a melhor forma de organizar um país, de fazer um país, e não será nunca o seu fracasso culpa dele mesmo, mas antes da perversão constante e arrogante que este e outros democratazinhos de trazer por casa protagonizam, aparentemente, ad eternum! De democratas, terão apenas a presunção de o ser. Na prática, talvez por serem mais espertos que o salazarento, são mais esguios e matreiros, fazendo do sangue de quem engrena os dias o seu cálice mais apetecido.
E se me lembro sempre da frase de Joaquim Letria (“Se todos os filhos da puta se lembrassem de voar, deixávamos de ver o sol!”), cresço, talvez ingenuamente, com a premissa impregnada de que um dia as coisas poderão ser diferentes. Mais que um desejo, é uma crença, é “a” crença de uma vida que me castiga numa “crise” que não criei e para a qual não contribuí! Antes se responsabilizassem os pais de todo este pântano, precisamente os mesmos que aparecem nos gráficos e nas sondagens dos matutinos. Sem reservas, sem apelo, sem falsos pudores e colocando de vez os pontos nos “is” de um país que teima em não o ser.
Passam 40 anos, talvez pouco tempo para a História se poder escrever e ensinar, mas tempo suficiente para se perceber o que não se quer e ter a coragem inerente para mudar. Todos os dias, pouco a pouco ou radicalmente, mas mudar!
E se pude nascer e viver em paz (podre) naquilo a que chamam democracia, perdoem-me lá esta coisa de ser de esquerda e ter a liberdade consequente de hoje, mais do que nunca, ter querido nascer mais cedo para, pelo menos ter vivido a noite de “24”. Como isso é impossível, serei “apenas” um tipo de esquerda, apartidário, de valores firmes e cimentados que sabe o que quer e o que não quer, que acredita, ainda que muitas vezes à lei da força, que Portugal poderá ser ainda aquele país que espreitou pelas portas que Abril abriu…